segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

El Hirschman

Já escrevi antes aqui sobre o Felipe Hirsh, mas a coluna dele no O Globo de hoje foi reveladora:


'Felipe Hirsch - Pop cult 73
Jack White, dos White Stripes, escreveu com caneta pilot o nome Billy Childish no seu braço, em letras garrafais


Todo dia de manhã, eu penteio as pontas do meu bigode para cima em homenagem a ele. E falo pro espelho: Billy Childish. Ele gravou mais de 80 discos em trinta anos, mas nesse exato momento pode estar gravando mais quatro, então isso não importa. Até pouco tempo, em Nova York, você poderia ver algumas de suas pinturas numa retrospectiva. Ele é bastante prolífico nesse campo também. Poeta, escreveu quase 50 livros, alguns em prosa. Sim, ele fotografou, fez inumeráveis filmes em Super-8, editou fanzines, formulou centenas de manifestos e já escreveu três ou quatro autobiografias que contam sobre sua dislexia, suas paixões e sobre o abuso sexual que sofreu com 9 anos. Na capa do single dedicado a essa terrível história, o homem que cometeu o crime. Em uma das primeiras colunas aqui, pedi atenção para obra do defensor do amadorismo, o multiartista Billy Childish, tido como o mais consistente e complexo artista inglês desde, desmaiem, Francis Bacon.

Algumas entrevistas de Childish carrego comigo assim, na memória, como os clássicos livros de entrevistas de Francis Bacon com David Sylvester. Leio, quase constantemente, as entrevistas de Bacon dadas no número 7 da “Reece Mews”, em Kensington. Aliás, o livro de fotos do aparentemente caótico estúdio do artista é um dos meus tesouros. “Incunabula” (latim para “berço”), o livro que detalha esse conteúdo de referências, também. Fui até a Hugh Lane Gallery em Dublin para vê-lo, o estúdio doado, de perto. Era época de férias na galeria. Chorei sobre três pints de Timothy Taylor, ainda aceitei uma dose de Jameson e só depois me lembrei que não bebo. Billy Childish seria mais uma cria da Saint Martin’s School of Art. Foi aluno convidado por sua genialidade. Mas foi expulso dali muito cedo pelo mesmo motivo. Sua alma desesperadamente criadora e concentrada o sofisticou demais para a cultura de massa, dizem. O jovem Childish experimentou o punk, o bluegrass, a música clássica. Teve incontáveis bandas e um círculo de admiradores. Entre eles, Jack White, dos White Stripes, que escreveu com caneta pilot o nome Billy Childish no seu braço, em letras garrafais. Seu ídolo, por sua vez, não fez nada além de desprezar o talento do famoso fã. Revoltado White, absurdamente, o acusou de plágio! A resposta de BC foi ainda mais dura e irônica: “Eu confesso que acho um pouco desagradável esse menino me acusar de plágio, simplesmente porque ele ama meu trabalho e não foi correspondido. Tudo nele cheira a ciúme. Eu tenho uma coleção de chapéus maior, um bigode melhor, um som de guitarra mais borbulhante e um senso de humor altamente desenvolvido. A única coisa que eu não consigo entender é porque eu não sou rico. Atenciosamente, Billy Childish”. Na revista “Vice”, algum tempo depois, BC disse que se ele fosse Jack White, pensaria: “Milhões de pessoas me conhecem e ninguém sabe quem ele é”. E completou: “Milhões não são o bastante? Por que eu preciso gostar dele também?”. Menino, Billy descobriu a música com Lonnie Donagen e Dusty Springfield, mas não foi aceito para cantar no coro da escola porque sofria de uma séria dislexia e era incapaz de perceber a diferença entre tons músicais. Kurt Cobain também amava Billy Childish. O máximo que o ex-menino surdo disse foi: “Quando alguém me diz que o Nirvana era uma banda punk, eu gargalho. Nem os Sex Pistols eram”. Mas não levava o assunto à frente “para não ofender um homem morto, porque talvez um fantasma com raiva seja uma coisa perigosa”. Billy Childish disse ter perdido o interesse por música em 1977. Mas gravou seu primeiro disco de garagem em 1979, quando roubou dinheiro de um amigo e de uma garota que era prostituta. Disse ter pago, um dia, o dinheiro dela. Pela vida, o grande Billy Childish criou tantas bandas que você, fatalmente, se perderá ao tentar reconhecê-las. Algumas, para sua pesquisa são: Pop Rivets, The Milkshakes, Thee Mighty Caesars, The
Delmonas, Thee Headcoats, Thee Headcoatees, Nature Born Lovers, The Musicians of the British Empire, The Chatham Singers , Sexton Ming, The Vermin Poets.

Sua música parece criada e produzida instantaneamente. Ele dá valor ao momento, à intensidade da emoção, ao instinto, à pureza, à confusão, e registra tudo isso no seu minuto. Não supor ta a cultura institucionalizada, o marketing, o jornalismo de arte. Diz detestar pessoas copiando o dadaísmo e pretendendo serem radicais. Por outro lado, em suas palavras, não gosta do cinismo e do jeito pós-modernista. Não quer aceitar, nem ironizar. E nos ensina: “Acreditar é a coisa mais importante, mesmo que seja apenas acreditar no que você está fazendo. E isso deve ser feito com integridade. Eu não gosto da falta de integridade. Porque a criatividade é a melhor coisa que temos e a mais próxima de Deus.” Continua: “Eu fui expulso de uma escola de Arte porque eles diziam: você pode ter isso e isso, se você fizer isso. E eu não me importo de fazer, se isso tiver sentido pra mim, ou se não parecer falso, mas as pessoas são obcecadas por uma vida falsa.” Segue Billy Childish na minha memória: “Eu não concordo que estejamos vivendo nos piores momentos da História da arte. Estamos vivendo o melhor momento para a arte. (...) Este é o melhor tempo pra se fazer arte, porque ninguém quer tomar outra direção. E, como artista, você sempre tem que olhar para outra direção.” U bom momento pra se olhar no espelho e pentear as pontas do bigode. '

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