quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Cigarro

Mais um texto "na mosca" do André Forastieri:

"Não fume e não encha

A nova edição da revista Trip dedica a maior parte de suas páginas a uma cantilena contra o tabaco. Como se fosse disso que precisamos: a tia beata puxando nossa orelha. Não tem um desgraçado no planeta que não saiba que cigarro faz mal. Informação a respeito não falta. A nova Trip é desperdício de celulose. Olha a sustentabilidade aí!

Quem fuma sabe o que faz. Se não sabia, agora aprendeu nos maços com as fotos das pernas amputadas, pés gangrenados, filhos chorando a morte dos pais ainda jovens etc. Sabe com a cabeça, não com o coração, claro. Mas isso vale pra todas as decisões que tomamos hoje e vão nos ferrar amanhã. O ser humano foi treinado pela evolução para investir no hoje e deixar o amanhã para amanhã. Somos animais. Civilização é planejamento, conflito e repressão.

A Trip sempre quis dar uma no cravo e outra na ferradura, o que é explícito no discurso feminista com vendas puxadas por meninas peladinhas. Dispenso a pregação e aprovei a ninfetinha desta edição. A Trip faz campanha contra o tabaco e apóia a descriminalização da maconha. Não aceita propaganda de cigarro, mas nesta mesma edição publica duas páginas de anúncio de bebida. Bebida faz bem? Mata quantos por ano? Quantas homicídios são embalados por álcool? A nova Trip também tem um anúncio de automóvel. Quantas pessoas morrem em acidentes todos os anos? Quanta fumaça de escapamento emporcalha nossos pulmões? Cadê a edição contra a bebida e os carros?

Eu fumei um maço por dia durante dezoito anos e parei há catorze. Hoje só fumo quando tomo uns tragos, e se for com algum amigo fumante, reativo a chaminé, e pago em ressaca de nicotina dia seguinte. Vai bem com álcool, como comidas gordurosas e humor grosso. Nada que faça bem, engrandeça o espírito ou contribua para o progresso da nação - e daí?



Tenho grande simpatia pela Trip e nenhuma pela indústria do tabaco (que é podre, mas não ilegal, e faz bem menos estrago do que outras supostamente mais respeitáveis). Mas temos uma diferença ideológica irreconciliável. A Trip acredita que o problema está com você, e que se cada indivíduo tiver força de vontade, informação, estímulo econômico e espiritual para mudar, a transformação acontece. Eu acredito que a solução está com todos nós, na defesa radical do máximo de liberdade pessoal, e impingindo o máximo de responsabilidade ao coletivo.

Eu quero socializar os pepinos. A Trip privatiza a alternativa. Na mesma edição, J.R. Duran diz que embora a calçada não faça parte da rua, ele não se incomoda de cuidar dela. E Ricardo Guimarães defende que cigarro tem que ser proibido mesmo. Eles e outros colaboradores e jornalistas da Trip são nomes que honram qualquer expediente. Mas esse papo me incomoda. Como essa desconversa de tentar emplacar bicicleta como big solução para a poluição automotiva. Ou proibir sacolinha plástica de repente, sem colocar nada no lugar.

O amigo André Barcinski outro dia resumiu bem. Proibir beber e dirigir é só dar uma canetada. Investir em metrô e ônibus que funcionem de madrugada nas principais áreas de balada, o que custa dinheiro e dá trabalho, os políticos não querem nem saber, e a população e imprensa nem pensa em cobrar.

Enquanto aplaudirmos esses factóides autoritários e proibições carolas, que pentelham a vida do cidadão comum sem transformar institucionalmente a coletividade, estamos fingindo que as coisas mudam para mantê-las do mesmo jeito. É uma postura conservadora, não transformadora. Não quer fumar, não fume. Mas não encha."

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