quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Metá Metá: "O" disco do ano!!!!




Sem sombra de dúvida esse é, para mim, O DISCO DO ANO DE 2011, o melhor entre todos os álbuns, brasileiros ou não, que ouvi esse ano.

Sem exageros, não ficava empolgado (quase alucinado) com um disco brasileiro desde ..., sei lá, acho que isso aconteceu somente duas vezes nos últimos 20 anos, com A Vida é Doce, do Lobão (1999) e o Futura, da Nação Zumbi (2005).

Mas a pegada aqui é outra, muito diferente do trip hop poderoso do Lobo Mau.




Metá Metá é formado por Kiko Dinucci (violão e voz), Juçara Marçal (voz) e Thiago França (sax e flauta), e em Ioruba significa ‘feito por três ao mesmo tempo’. Sim, pode deixar a mente viajar, pois o termo também pode ser usado com uma conotação mais, digamos assim, maliciosa, o que faz todo sentido quando se ouve o disco.

Os três conduzem as ações e são auxiliados em algumas faixas, especialmente na segunda metade do álbum, por Samba Ossale (percussão), Sérgio Machado (bateria) e Rodrigo Campos (cavaquinho).

Só para tentar resumir o que eu penso desse álbum: o disco me soa como um trabalho muito foda, feito em uma época em que eram gravados muitos discos foda!!! Em outras palavras, parece um álbum feito em meados da década de 70. Posso até estar exagerando, mas a sensação que tive ao ouvir o disco pela primeira vez (sem qualquer expectativa, levado apenas pela admiração que tenho pelos outros trabalhos do Kiko Dinucci), e que se manteve a cada uma das inúmeras audições, é de que esse álbum é comparável a Acabou Chorare, Clube da Esquina, Cartola I e II, Elis & Tom, Transa e por aí vai.



Achei na internet um faixa a faixa feito por Ana Mesquita no site Pastilhas Coloridas, que agora compartilho com vocês:

“A sintonia dos três é infinitamente bela, Juçara tem voz doce e não se deixa enganar pelo falsete, voz firme, direta, que vem das entranhas, mas que passa pelo coração antes de sair de sua boca. A base do disco são os acordes do violão de Kiko fortemente influenciado pelo afro samba e afrobeat, mas com pegada própria, contemporânea. E o sax de Thiago tem um timbre que me emociona, me pega e me leva pra lembranças sonoras deliciosas.

"Vale do Jucá" abre o disco lindamente, toda delicada, mas com uma letra arrebatadora, falando do antigo e do atual, com um solo de sax tão triste e angustiante e uma marcação quase marcial de tempo. Música de Siba Veloso. Aliás, a escolha dos compositores desse disco é um capítulo a parte. Só gente talentosa, independentemente de valoração da fama. Percebe-se o cuidado com a pesquisa das canções para a criação de um álbum coeso, que expresse uma idéia única, dentro da diversidade de texturas rítmicas e harmônicas.

"Umbigada" de Lincoln Antônio te tira o nó da garganta deixado com a primeira música e te leva pra brincadeira da dança folclórica, a flauta transversal te conduz para esse caminho. "Papel Sulfite" de Jonathan Silva, é o alívio do coração, um pedido de perdão e de abertura ao novo em uma relação. É a fé no amor apesar do cotidiano que mata.
Quando começou "Trovoa" achei que seria simplesmente um poema recitado no meio do disco, mas Juçara vai dando ritmo ao canto e a forma inconfundível do canto falado – ou fala cantada wherever – da música paulistana do fim dos anos 70 e início dos 80 aparece certeira. Aqui a poesia se sobrepõe aos instrumentos, que fazem unicamente uma cama para que Juçara cante São Paulo da Santa Cecília até a Vila Ipojuca, jurando que vai virar mendingo caso seja abandonada. Maurício Pereira tem seu talento relembrando.

Choro toda vez que escuto "Samuel", parceria com Rodrigo Campos – que toca cavaquinho nessa faixa – a música trata de um garoto que vai aprontar na região da Paulista/Augusta. Um Afro Samba clássico lindo de morrer e emocionante, e que com uma par de versos diz mais do que muito livro teórico sobre o processo de urbanização de São Paulo e de como o centro é um local de exclusão. Expulsamos os pobres pras longínquas periferias e fazemos de conta que o problema não é nosso. Cidade partida. "Vias de Fato", composição de Edu Batata, Douglas Germano e Kiko Dinucci também é um afro samba, da solidão. “Sigo meu caminhar, nunca amanheço o mesmo”.

Agora tu vira o disco porque vai começar o lado B

E vai andentrar o mundo dos orixás do candomblé. "Oronian" e "Oba Iná" – a primeira parceria de Douglas Germano e Kiko Dinucci, e a segunda somente de Douglas – são daqueles tipos de música que dá vontade de sair dançando e cantando junto, porque você tem certeza algo muito bom vai acontecer com sua alma se fizer isso. Destaque para o sax de Thiago em "Obá Iná", quebradeira pura, solo inspirador.

"Obatalá" baixa a pulsação com uma melodia encantadora. É o melhor dos vídeos do Bagagem, de uma poesia visual e sonora rara. Composição solo de Kiko, a única somente dele.

O disco fecha com um ponto de Oxum. Uma amiga, filha de Oxum, usava somente branco toda sexta-feira, mas sempre com algum adereço dourado, porque sua mãezinha gosta muito. “Sai queimando bicho” denúncia a gravação ao vivo em estúdio. Na verdade nunca imaginei que tivesse sido gravado de outra forma esse disco, com todo o envolvimento e dedicação ao conjunto da obra despendido pelos três para fazer o melhor álbum brasileiro que saiu até agora. “



O disco foi lançado de forma totalmente gratuita e disponibilizado on line, e também pode ser baixado junto com um aplicativo, chamado Bagagem, no qual se tem acesso pelo computador ao encarte do álbum, e contém ainda um belo clipe para cada uma das faixas.
O disco foi lançado mais tarde em formato físico, e pode ser comprado no site do selo Desmonta, custa bem baratinho, R$ 10,00, mas seu valor é inestimável.

Deixo vocês com um apelo: não deixem de ouvir. Se não quiserem comprar, ao menos baixem o mp3 (WWW.kikodinucci.com.br), mas ouçam o disco com atenção e sem amarras.

Boa audição, e que em 2012 tenhamos mais álbums como esse.

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