segunda-feira, 23 de abril de 2012

Ela é do tempo do Bob ...




Não, esse texto não tem qualquer relação com o figura mor Otto.

Não sou neófito quando o assunto é Bob Dylan.

Sou um neófito quando o assunto é Bob Dylan.

Tudo depende do termo de comparação.

Confesso, desde logo, que não tinha sequer cogitado em ir ao show do bom e velho Bob.

Fato é que, desde a semana passada, ao ler o que era publicado sobre os primeiros shows aqui no Brasil, foi batendo uma crescente vontade de enfrentar o monstro. Ainda assim, o fator grana pesava na decisão.

Eis que, na quinta feira de noite, eu, que já havia batido na trave em 2008 (fiquei muito perto de ganhar os ingressos), recebi a ligação salvadora de meu irmão. A notícia era quase milagrosa, ele havia ganhado um par de ingressos, e nosso destino estava então traçado para o sábado à noite.

Sábado, 21 de maio, 21hs, com o Credicard Hall ainda mais cheio fora que dentro, fomos procurar nossos lugares, e qual não foi a surpresa ao descobrirmos que estávamos carinhosamente posicionados na 11ª fileira, quase nos cornos do “homem”.

Com uma pontualidade inacreditável (para padrões brasileiros) e sempre desejável, com a casa praticamente lotada (poucos espaços livres nos lugares de preços proibitivos), o show começa de forma arrasadora, e assim segue até o final.

Francamente, assim que me dei conta de que estava olhando uma das figuras mais importantes da história meus olhos se encheram de lágrimas e assim permaneceram pelo menos durante as três primeiras músicas.

O som estava muito bom.

A banda parece incrivelmente afiada, e faz uma cama de som alto e sujo para que Mr. Dylan deite e role.

A voz, tão criticada pela imprensa bunda mole (você mesmo Folha de São Paulo, UOL e afins), cai como uma luva na usina sonora produzida pela banda.

Rouca sim, ligeiramente desafinada (é o Bob Dylan, certo?), mas, principalmente, cavernosa, lembrando em muitos momento um Tom Waits com um tom (muito) menos grave.

Nada do folk dos primeiros anos, nem tampouco da exuberância da The Band, o assunto aqui é rock direto e básico, com altas doses de blues e country (o legítimo).

O Mestre, com toda a classe de quem já mudou, literalmente, os rumos da música no mundo, e que seguramente está entre os cinco artistas mais importantes da história da música popular, seguiu, música após música, entortando as melodias vocais, o que, dizem os entendidos, faz de cada show uma experiência única.

Fato é que Dylan pareceu se divertir o tempo todo, na maior parte, tocando os teclados que fazem toda a diferença no caldo sonoro. Por duas vezes empunhou a guitarra e sempre que tocou sua famosa gaita levantou urros de prazer na plateia.

O mais curioso é que os arranjos por muitas vezes tornam as músicas difíceis de reconhecer e quase impossíveis de cantar junto (só reconheci Blowin In The Wind quando chegou o refrão). Além disso, com algumas das músicas tive contato ali mesmo.

De qualquer forma, nada disso importa, pois a experiência é tão intensa que a única reação possível é apreciar, ver e ouvir com reverência, degustando cada momento de uma apresentação absolutamente histórica.

Quanto ao setlist, e só para não dizerem que não botei defeito, senti falta de Desolation Row, que havia sido tocada em todos os shows brasileiros até então, e de It´s All Over Now, Baby Blue, tocada em BH, salvo engano; o que, honestamente, não fez qualquer diferença frente ao êxtase provocado pelo show.

Como pontos altos, Beyond Here Lies Nothin', do último álbum (sem contar o disco natalino), que tem uma pegada bem parecida com algumas coisas do Tom Waits (olha ele aí de novo), e Ballad of a Thin Man. Essa última, aliás, botou a casa abaixo.

No final das contas, acredito que talvez não tenha sido o melhor show da minha vida até agora, mas tenho a certeza de que foi o show mais “foda” que já vi, dá para entender?

Para finalizar, só um breve comentário sobre a cobertura da imprensa oficial aos shows da turnê brasileira, especialmente por parte dos veículos ligados à Folha de São Paulo.

Não sei se tudo foi motivado pela ausência de credenciamento para jornalistas, o que significa botar a mão no bolso, mas o nível de análise crítica beirou o absurdo.

Primeiro foi a “falta de” voz e a “ausência” de hits. Bom, quanto à “ausência” de hits, de fato, não seria problema algum, levando-se em consideração a qualidade da imensa maioria da obra discográfica de Dylan, em especial os últimos discos, cuja sonoridade lembra muito a da banda ao vivo. Por outro lado, basta olhar os setlists dos shows brasileiros para ver que, conhecendo um pouquinho da obra, o que não faltou foram clássicos.

No que toca à voz, já dei minha opinião, mas não dá para deixar de comentar a matéria em que sugerem que Dylan tem que fazer um tratamento médico e “mudar a forma de cantar”. Santo Deus!!! E se a Folha sugere ao Dylan que consulte o médico que tratou o Zezé Di Camargo (se você não é brasileiro, basta buscar na internet para saber de quem se trata), imaginem o que não falarão se o Tom Waits fizer shows no Brasil (mais uma vez, eu sei, mas é outro show dos sonhos).

Para coroar a não cobertura, o UOL publica no dia do show uma “resenha” analisando o concerto e, claro, criticando. O mote agora é a falta de originalidade, pois o show seria quase idêntico àquele feito em 2008. Aí você lê a matéria e percebe que o único argumento do “jornalista” reside no fato de a música de abertura ser a mesma(!!!) – que por sinal é Leopard-Skin Pill-Box Hat, do Blonde on Blonde (alguém disse que não tinha clássicos no set?) – e que o sujeito provavelmente sequer ficou até o final do show. Simplesmente patético.

Apenas hoje achei duas resenhas bem feitas, do Estadão e da Rolling Stone.

De tudo isso, só tiro uma conclusão: a grande imprensa só serve para pagar as contas de uma meia dúzia de gente boa, mas que acaba escrevendo sobre esses assuntos apenas em seus blogs e afins.

Segue o setlist:

1. Leopard-Skin Pill-Box Hat (Blonde On Blonde - 1966)
2. Don't Think Twice, It's All Right (Freewhelin’ – 1963)
3. Things Have Changed (Trilha sonora filme "Wonder Boys" - 2000)
4. Tangled Up In Blue (Blood In The Tracks - 1975)
5. Beyond Here Lies Nothin' (Together Through Life – 2009)
6. To Make You Feel My Love (Time Out of Mind - 1997)
7. Honest With Me (Love & Theft – 2001)
8. Every Grain Of Sand (Shot of Love - 1981)
9. The Leave's Gonna Break (Modern Times - 2006)
10. A Hard Rain's A-Gonna Fall (Freewhelin’ – 1963)
11. Highway 61 Revisited (Highway 61 Revisited - 1965)
12. Love Sick (Time Out of Mind - 1997)
13. Thunder On The Mountain (Modern Times - 2006)
14. Ballad Of A Thin Man (Highway 61 Revisited - 1965)
15. Like A Rolling Stone (Highway 61 Revisited - 1965)
16. All Along The Watchtower (John Wesley Harding - 1968)
17. Blowin' In The Wind (Freewhelin’ – 1963)

E um vídeo (da platéia) só para dar um gostinho:

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