quinta-feira, 26 de abril de 2012
Musa
Para encerrar, por ora, o assunto Sonic Youth, um pouco de Kim Gordon:
Muito musa!!!!
E solteira ... (rsss).
Obama got the soul
Bom, com o The Roots fazendo a cama, até eu, certo?
E a causa é mais que justa.
Vi no Bate Estaca, blog do Camilo Rocha
O garoto da capa
Impagável, como sempre, o bom e velho John na edição da NME dessa semana.
Mas ótima mesmo é a entrevista com ele feita pelo Rhys Webb, baixista dos The Horrors, na edição da NME de 14 de abril. Procura por aí que você acha.
Aliás, Mr Lydon está com tudo esse mês, tudo por conta do disco novo do PIL que se aproxima, o primeiro em 20 anos. Tem matéria com ele na nova Uncut, além da resenha do disco, com nota 7 de 10.
A Mojo ainda não aportou por aqui, mas dá para ver pelo site que a toada é a mesma, com matéria e resenha.
Quando ouvir o disco conto o que achei.
Longa vida ao PIL!!!!
Mas ótima mesmo é a entrevista com ele feita pelo Rhys Webb, baixista dos The Horrors, na edição da NME de 14 de abril. Procura por aí que você acha.
Aliás, Mr Lydon está com tudo esse mês, tudo por conta do disco novo do PIL que se aproxima, o primeiro em 20 anos. Tem matéria com ele na nova Uncut, além da resenha do disco, com nota 7 de 10.
A Mojo ainda não aportou por aqui, mas dá para ver pelo site que a toada é a mesma, com matéria e resenha.
Quando ouvir o disco conto o que achei.
Longa vida ao PIL!!!!
quarta-feira, 25 de abril de 2012
Sonic Youth en Paris
Show inteirinho, no Rock en Sienne, ali mesmo, na Cidade Luz, na beira do Sena.
P... luxo, não?
Sonic Youth no porão
Quanto ao meu disco favorito favorito do SY? Bom, o Daydream Nation é uma obra prima, então não entra na competição. Sendo assim, o disco pelo qual tenho mais carinho é o Rather Ripped, por ter sido o disco que sedimentou os caras no meu coração (já escrevi aqui sobre como tenho um certo efeito retardado para ouvir as coisas, certo?).
Do sensacional programa From The Basement, capitaneado pelo Nigel Godrich, produtor do Radiohead e o cara que fez o Paul McCartney suar a camisa. A banda ao vivo sempre foi destruidora, e aqui mistura bem no (curto) set músicas dos dois discos citados acima.
Do sensacional programa From The Basement, capitaneado pelo Nigel Godrich, produtor do Radiohead e o cara que fez o Paul McCartney suar a camisa. A banda ao vivo sempre foi destruidora, e aqui mistura bem no (curto) set músicas dos dois discos citados acima.
terça-feira, 24 de abril de 2012
Sonic Youth, discografia comentada pt. 3
NYC Ghost
& Flowers - 00
Custa a engrenar, talvez por suas
introduções alongadas ou por suas continuas quebras. É um álbum sem ganchos.
Mas a passagem do tempo soube jogar a seu favor e lhe outorgou um lugar
privilegiado na discografia do grupo. Hoje soa quase como uma sinfonia
experimental: oito movimentos que se enredam entre labirintos de guitarras,
atmosferas espectrais e relatos urbanos. É o corolário de uma série de
trabalhos paralelos que se fecharam com o duplo Goodbye 20th Century (1999). E
é também a primeira parte da trilogia com Jim O’Rourke, que assume aqui como
produtor. A influência do movimento beat se faz mais presente que nunca na arte
da capa, de Burroughs.
Murray Street – 02
Agora com Jim O’Rourke como
membro oficial da banda (e outra vez na produção, como no álbum anterior), tudo
parece indicar que começa uma nova era sônica. Não apenas no campo musical, já
que é o primeiro disco dos novaiorquinos logo após a queda das Torres, e aí
está a arte da capa que pareceria fazer referência ao ocorrido, e o título, que
assinala o lugar onde caiu um dos motores dos aviões sequestrados. A melomania
da banda alcança dessa vez o folk progressivo dos anos 70 e as canções se
expandem em vinhetas que vão desde o punk até um estranho épico de guitarras
emaranhadas.
Sonic Nurse – 04
Esse é um dos picos de uma banda
em constante movimento. A parceria com O’Rourke (músico e produtor, outra vez),
e que deixaria a banda logo após o disco, alcança seu ponto justo em dez
canções que conservam certa complexidade (outra vez infinitas partes e melodias
que entram e saem), mas aumentam seu caudal melódico. Já no início com Pattern
Recognition e Unmade Bad dizem tudo. Outros highlights: o krat de New
Hempshire, I Love You Golden Blue e a cota de Ranaldo em Paper Cup Exit. Seu
melhor disco em uma década.
Rather Ripped – 06
Com O’Rourke fora do barco, a
nave sônica parece voltar a um rock de guitarras algo mais direto que em seus últimos
trabalhos, e prova disso é o arranque a mil por hora com Reena, com Kim Gordon
cantando como nunca (recordemos que afinação não é seu forte). E com cada novo
disco o SY acresce
novos aspectos ao seu espectro sonoro, dessa vez o forte está nas combinações
harmônicas, inspiradíssimas, que permitem melodias novas ou ao menos curiosas
em seu repertório. Grudentas como marmelada, as linhas – de guitarras, de voz –
de Incinerate, do refrão de What a Waste, e toda Rats (Ranaldo, outra vez, no
nível mais alto) se destacam num disco que está à altura do anterior.
The Eternal – 09
Um degrau a mais na carreira do
quarteto, que muda de uniforme – da Geffen para a Matador – mas não perde o
cabelo nem as manhas. Seu trabalho inflamável segue equilibrando pop e
experimentalismo, mas agora a coisa apodrece um pouco, e a mão de John Agnello
na produção enche de o grupo de aspereza. Canções que bem poderiam figurar em
Evol ou em Sister dão conta de uma espécie de volta à fonte que, sem estar
claramente entre o melhor de sua carreira, oferece momentos altos em canções como
No Way ou Antenna.
Justiça seja feita
E não é que a Folha de São Paulo, que fez uma cobertura pífia - para não dizer ressentida - da turnê do Bob Dylan no Brasil, botou no seu site a melhor resenha do show do dia 21 em São Paulo?
O jornal colocou o cartunista Rafael Grampá para assistir o show e a pérola está aqui embaixo:
O jornal colocou o cartunista Rafael Grampá para assistir o show e a pérola está aqui embaixo:
Sonic Youth, discografia comentada pt. 2
Goo - 90
Chegaram. Contrato com a Geffen, turnê mundial com Nirvana, Dinosaur Jr., Babes in Toyland: os 90 a ponto de explodir. Se Daydream Nation era a síntese perfeita entre experimentação e pop, Goo se joga de cabeça nas melodias (e uma produção um tanto quanto mainstream, há que se dizer). Assim, milhões de amigos novos ao alcance. Tinham com o que: Titanium Expose (que riff!), Lee quebrando tudo em Mote, a cadencia de Dirty Boots e o pogo mais feliz do mundo com Kool Thing (com Chuck D do Public Enemy e um solo de guitarra que cócegas na espinha. Ah, e Disappearer, uma obra prima.
Dirty – 92
Estava aberta a brecha: o boom do
Nirvana e as bandas da cena alternativa passavam a jogar na primeira divisão. O
Sonic Youth, com a pecha de padrinho nas costas, não tinha mais que por as
cartas na mesa. Para isso, claro, chamaram Butch Vig (Nevermind), o produtor
estrela do momento. Deram um grande salto qualitativo em termos de áudio. E
tiraram da cartola várias joias para colar nas rádios: 100%, Youth Against
Fascism e, em especial, Sugar Kane. Todavia não há que se mal interpretar as
coisas: o fato de Dirty ser seu disco mais popular não quer dizer que tenha
sido uma tentativa de seguir os passos de Nevermind. Os novaiorquinos seguiram
na sua. Menção aparte para Chapel Hill e Theresa’s Sound-world, duas maravilhas
do noise progressivo.
Experimental Jet Set, Trash and No Star – 94
Dizem que depois do ruído vem o
silencio.Experimental... foi o momento de baixar. Baixar em todos sentidos: o
tom, a velocidade e, também, as expectativas. Um disco para antecipar o ocaso
da festa (a data: saiu pouco depois da morte de Kurt). O blues marca o pulso.
Assim assinala a faixa de abertura, Winner’s Blues (uma pérola do cancioneiro
de Thurston Moore). Kim Gordon tem aumentado seu protagonismo e, salvo no
pseudo hit Bull in the Heather, tudo vai em passo lento (Skink, Bone, Sweet
Shine). Sem renunciar à desaceleração, o grupo também entrega alguns rocks
(Screaming Skull, Self-Obsessed and Sexxee). A pérola: Tokio Eye.
Um novo passo da banda para
tentar voltar a andar por terrenos algo mais experimentais, sempre com a verve
melódica a essa altura inalterável, mas sim resignar seu gosto pelos pântanos eletrificados.
Assim como as canções se estendem e terminam num enxame de guitarras (quase não
há baixos no disco), chegando a picos de dez minutos (Washing Machine) e
ladeando os vinte (The Diamond Sea, uma das melodias mais belas que Thurston
Moore já compôs). A pérola do disco é a agradável Little Trouble Girl, um dueto
cândido e arrepiante entre Kim Gordon e Kim Deal (The Breeders, Pixies).
A Thousand Leaves – 98
Com Sunday como ponta de lança (e
uma rotação constante do vídeo dirigido por Harmoni Korine, em que aparecia
Macaulay Culkin), o Sonic Youth entrega um de seus discos mais complexos e
ambiciosos, tanto pela duração (uma hora e quinze), como pelos lentos e
suspensos diálogos entre guitarras, que tendem a se deixar levar pela
improvisação – o que o deixa um pouco disperso. Mais além dos típicos estouros,
A Thousand Leaves plana por paisagens bucólicas e a melancolia de peças como
Wildflower Soul ou Hits of Sunshine, essa dedicada a Allen Ginsberg.
segunda-feira, 23 de abril de 2012
Ela é do tempo do Bob ...
Não, esse texto não tem qualquer relação com o figura mor Otto.
Não sou neófito quando o assunto é Bob Dylan.
Sou um neófito quando o assunto é Bob Dylan.
Tudo depende do termo de comparação.
Confesso, desde logo, que não tinha sequer cogitado em ir ao show do bom e velho Bob.
Fato é que, desde a semana passada, ao ler o que era publicado sobre os primeiros shows aqui no Brasil, foi batendo uma crescente vontade de enfrentar o monstro. Ainda assim, o fator grana pesava na decisão.
Eis que, na quinta feira de noite, eu, que já havia batido na trave em 2008 (fiquei muito perto de ganhar os ingressos), recebi a ligação salvadora de meu irmão. A notícia era quase milagrosa, ele havia ganhado um par de ingressos, e nosso destino estava então traçado para o sábado à noite.
Sábado, 21 de maio, 21hs, com o Credicard Hall ainda mais cheio fora que dentro, fomos procurar nossos lugares, e qual não foi a surpresa ao descobrirmos que estávamos carinhosamente posicionados na 11ª fileira, quase nos cornos do “homem”.
Com uma pontualidade inacreditável (para padrões brasileiros) e sempre desejável, com a casa praticamente lotada (poucos espaços livres nos lugares de preços proibitivos), o show começa de forma arrasadora, e assim segue até o final.
Francamente, assim que me dei conta de que estava olhando uma das figuras mais importantes da história meus olhos se encheram de lágrimas e assim permaneceram pelo menos durante as três primeiras músicas.
O som estava muito bom.
A banda parece incrivelmente afiada, e faz uma cama de som alto e sujo para que Mr. Dylan deite e role.
A voz, tão criticada pela imprensa bunda mole (você mesmo Folha de São Paulo, UOL e afins), cai como uma luva na usina sonora produzida pela banda.
Rouca sim, ligeiramente desafinada (é o Bob Dylan, certo?), mas, principalmente, cavernosa, lembrando em muitos momento um Tom Waits com um tom (muito) menos grave.
Nada do folk dos primeiros anos, nem tampouco da exuberância da The Band, o assunto aqui é rock direto e básico, com altas doses de blues e country (o legítimo).
O Mestre, com toda a classe de quem já mudou, literalmente, os rumos da música no mundo, e que seguramente está entre os cinco artistas mais importantes da história da música popular, seguiu, música após música, entortando as melodias vocais, o que, dizem os entendidos, faz de cada show uma experiência única.
Fato é que Dylan pareceu se divertir o tempo todo, na maior parte, tocando os teclados que fazem toda a diferença no caldo sonoro. Por duas vezes empunhou a guitarra e sempre que tocou sua famosa gaita levantou urros de prazer na plateia.
O mais curioso é que os arranjos por muitas vezes tornam as músicas difíceis de reconhecer e quase impossíveis de cantar junto (só reconheci Blowin In The Wind quando chegou o refrão). Além disso, com algumas das músicas tive contato ali mesmo.
De qualquer forma, nada disso importa, pois a experiência é tão intensa que a única reação possível é apreciar, ver e ouvir com reverência, degustando cada momento de uma apresentação absolutamente histórica.
Quanto ao setlist, e só para não dizerem que não botei defeito, senti falta de Desolation Row, que havia sido tocada em todos os shows brasileiros até então, e de It´s All Over Now, Baby Blue, tocada em BH, salvo engano; o que, honestamente, não fez qualquer diferença frente ao êxtase provocado pelo show.
Como pontos altos, Beyond Here Lies Nothin', do último álbum (sem contar o disco natalino), que tem uma pegada bem parecida com algumas coisas do Tom Waits (olha ele aí de novo), e Ballad of a Thin Man. Essa última, aliás, botou a casa abaixo.
No final das contas, acredito que talvez não tenha sido o melhor show da minha vida até agora, mas tenho a certeza de que foi o show mais “foda” que já vi, dá para entender?
Para finalizar, só um breve comentário sobre a cobertura da imprensa oficial aos shows da turnê brasileira, especialmente por parte dos veículos ligados à Folha de São Paulo.
Não sei se tudo foi motivado pela ausência de credenciamento para jornalistas, o que significa botar a mão no bolso, mas o nível de análise crítica beirou o absurdo.
Primeiro foi a “falta de” voz e a “ausência” de hits. Bom, quanto à “ausência” de hits, de fato, não seria problema algum, levando-se em consideração a qualidade da imensa maioria da obra discográfica de Dylan, em especial os últimos discos, cuja sonoridade lembra muito a da banda ao vivo. Por outro lado, basta olhar os setlists dos shows brasileiros para ver que, conhecendo um pouquinho da obra, o que não faltou foram clássicos.
No que toca à voz, já dei minha opinião, mas não dá para deixar de comentar a matéria em que sugerem que Dylan tem que fazer um tratamento médico e “mudar a forma de cantar”. Santo Deus!!! E se a Folha sugere ao Dylan que consulte o médico que tratou o Zezé Di Camargo (se você não é brasileiro, basta buscar na internet para saber de quem se trata), imaginem o que não falarão se o Tom Waits fizer shows no Brasil (mais uma vez, eu sei, mas é outro show dos sonhos).
Para coroar a não cobertura, o UOL publica no dia do show uma “resenha” analisando o concerto e, claro, criticando. O mote agora é a falta de originalidade, pois o show seria quase idêntico àquele feito em 2008. Aí você lê a matéria e percebe que o único argumento do “jornalista” reside no fato de a música de abertura ser a mesma(!!!) – que por sinal é Leopard-Skin Pill-Box Hat, do Blonde on Blonde (alguém disse que não tinha clássicos no set?) – e que o sujeito provavelmente sequer ficou até o final do show. Simplesmente patético.
Apenas hoje achei duas resenhas bem feitas, do Estadão e da Rolling Stone.
De tudo isso, só tiro uma conclusão: a grande imprensa só serve para pagar as contas de uma meia dúzia de gente boa, mas que acaba escrevendo sobre esses assuntos apenas em seus blogs e afins.
Segue o setlist:
1. Leopard-Skin Pill-Box Hat (Blonde On Blonde - 1966)
2. Don't Think Twice, It's All Right (Freewhelin’ – 1963)
3. Things Have Changed (Trilha sonora filme "Wonder Boys" - 2000)
4. Tangled Up In Blue (Blood In The Tracks - 1975)
5. Beyond Here Lies Nothin' (Together Through Life – 2009)
6. To Make You Feel My Love (Time Out of Mind - 1997)
7. Honest With Me (Love & Theft – 2001)
8. Every Grain Of Sand (Shot of Love - 1981)
9. The Leave's Gonna Break (Modern Times - 2006)
10. A Hard Rain's A-Gonna Fall (Freewhelin’ – 1963)
11. Highway 61 Revisited (Highway 61 Revisited - 1965)
12. Love Sick (Time Out of Mind - 1997)
13. Thunder On The Mountain (Modern Times - 2006)
14. Ballad Of A Thin Man (Highway 61 Revisited - 1965)
15. Like A Rolling Stone (Highway 61 Revisited - 1965)
16. All Along The Watchtower (John Wesley Harding - 1968)
17. Blowin' In The Wind (Freewhelin’ – 1963)
E um vídeo (da platéia) só para dar um gostinho:
sábado, 21 de abril de 2012
Sonic Youth, discografia comentada pt. 1
Tradução minha para texto publicado na revista argentina Los Inrockuptibles n. 136, de junho de 2009.
Confusion is sex - 83
Antes, o caos. De pop, pouco ou nada nas primeiras faixas do quarteto, que começava a experimentar afinações extravagantes – aprendidas com Glenn Branca e sua trupe – para construir esses mantras catárticos carregados de feedback. Com um tal Jim Sclavunos e Bob Bert se alternando nas baquetas, Moore, Ranaldo e Gordon se enclausuraram em estúdio (pela segunda vez: a primeira gravação foi acidentalmente acidentalmente por um microfone magnetizado) e dão forma a meia hora de noise, em que aparece uma versão ultra ló-fi de I Wanna Be Your Dog (The Stooges) – constante nos primeiros shows – e o nome de Michael Gira (ex-Swans, hoje Angels of Light) assinando a letra de The World Looks Red, quase uma canção. A reedição de 1995 contém o EP Kill Yr Idols.
Bad Moon Rising – 85
Alarme falso: a belíssima introdução de pouco mais de um minuto, que parece prenunciar Teen Age Riot e o “o que virá” é pura ilusão de óptica. Brave Men Run apenas começa e já se pode ouvir que esse segundo disco repete as mesmas coordenadas que o primeiro. Só que agora as texturas são mais intensas (o final de Society is a Hole, o começo de I Love Her All the Time, toda Satan is Boring) e os estalidos de violência mais marcados (Death Valley’ 69, inspirada nos assassinatos do clã Mason, com a participaçãode Lydia Lunch na voz). A partir daqui, ponto final para o baterista Bob Bert e boas vindas para Steve Shelley, peça fundamental para começar a colocar a casa em ordem.
Evol – 86
Soa Tom Violence, Evol arranca e o impensado: sim, a cadencia harmônica até chega a emocionar. E isso? É uma canção. E isso será o Sonic Youth a partir de agora, senhores.A base está (melhor que nunca, com Shelley sentado ali) e a crueza também, mas agora há lugar para sutilezas e climas hipnóticos (a enorme Shadow of a Doubt, por exemplo, e essa voz de Kim Gordon que endiabrada), além das guitarras desencaixadas, claro. Aqui é onde conhecemos a voz de Lee Ranaldo (In The Kingdom #9, sua primeira assinatura) e onde estampam seu primeiro clássico Expressway to Yr Skull. Agora é só ascensão.
Sister – 87
Thuston canta de um lado do do falante e Kim o faz do outro. As guitarras retumbam e derretem tudo ao redor, enquanto eles repetem frases como “os anjos estão sonhando com você”, ou “tenho sua coroa de algodão”. Muitos devem ter se enamorado pelo Sonic Youth escutando Cotton Crown. Claro que, neste disco, há outro motivo para render-se à mais pura adoração: Schizophrenia, a canção que abre, com seu ritmo cavalgante e seus picos de tensão, é um dos momentos mais inspirados na história do grupo. Também estão lá Beauty Lies in the Eye e o cover de Johnny Strike, Hot Wire My Heart. Mas Sister é, sobretudo, o álbum onde todo o raro (afinações, feedbacks, dissonâncias) se torna funcional à melodia.
Daydream Nation – 88
Para muitos, sua obra prima. E é também o disco preferido da crítica, tão aclamado que foi capaz de despertar o interesse de uma multinacional (Geffen). Nenhum elogio será exagerado. Esse álbum, originalmente duplo, é um grande trabalho de consagração, onde se condensa melhor que nunca o que o grupo vinha buscando: aplicar sua escola pós punk e seus dotes experimentais à canção de rock. Vem deste álbum seu status de marco da música alternativa. São muitas as músicas para amealhar, começando por essa faixa maiúscula que é Teen Age Riot. Mas também há certo espírito conceitual que obriga a escuta-lo do começo ao fim. Uma e outra vez.
Confusion is sex - 83
Antes, o caos. De pop, pouco ou nada nas primeiras faixas do quarteto, que começava a experimentar afinações extravagantes – aprendidas com Glenn Branca e sua trupe – para construir esses mantras catárticos carregados de feedback. Com um tal Jim Sclavunos e Bob Bert se alternando nas baquetas, Moore, Ranaldo e Gordon se enclausuraram em estúdio (pela segunda vez: a primeira gravação foi acidentalmente acidentalmente por um microfone magnetizado) e dão forma a meia hora de noise, em que aparece uma versão ultra ló-fi de I Wanna Be Your Dog (The Stooges) – constante nos primeiros shows – e o nome de Michael Gira (ex-Swans, hoje Angels of Light) assinando a letra de The World Looks Red, quase uma canção. A reedição de 1995 contém o EP Kill Yr Idols.
Bad Moon Rising – 85
Alarme falso: a belíssima introdução de pouco mais de um minuto, que parece prenunciar Teen Age Riot e o “o que virá” é pura ilusão de óptica. Brave Men Run apenas começa e já se pode ouvir que esse segundo disco repete as mesmas coordenadas que o primeiro. Só que agora as texturas são mais intensas (o final de Society is a Hole, o começo de I Love Her All the Time, toda Satan is Boring) e os estalidos de violência mais marcados (Death Valley’ 69, inspirada nos assassinatos do clã Mason, com a participaçãode Lydia Lunch na voz). A partir daqui, ponto final para o baterista Bob Bert e boas vindas para Steve Shelley, peça fundamental para começar a colocar a casa em ordem.
Evol – 86
Soa Tom Violence, Evol arranca e o impensado: sim, a cadencia harmônica até chega a emocionar. E isso? É uma canção. E isso será o Sonic Youth a partir de agora, senhores.A base está (melhor que nunca, com Shelley sentado ali) e a crueza também, mas agora há lugar para sutilezas e climas hipnóticos (a enorme Shadow of a Doubt, por exemplo, e essa voz de Kim Gordon que endiabrada), além das guitarras desencaixadas, claro. Aqui é onde conhecemos a voz de Lee Ranaldo (In The Kingdom #9, sua primeira assinatura) e onde estampam seu primeiro clássico Expressway to Yr Skull. Agora é só ascensão.
Sister – 87
Thuston canta de um lado do do falante e Kim o faz do outro. As guitarras retumbam e derretem tudo ao redor, enquanto eles repetem frases como “os anjos estão sonhando com você”, ou “tenho sua coroa de algodão”. Muitos devem ter se enamorado pelo Sonic Youth escutando Cotton Crown. Claro que, neste disco, há outro motivo para render-se à mais pura adoração: Schizophrenia, a canção que abre, com seu ritmo cavalgante e seus picos de tensão, é um dos momentos mais inspirados na história do grupo. Também estão lá Beauty Lies in the Eye e o cover de Johnny Strike, Hot Wire My Heart. Mas Sister é, sobretudo, o álbum onde todo o raro (afinações, feedbacks, dissonâncias) se torna funcional à melodia.
Daydream Nation – 88
Para muitos, sua obra prima. E é também o disco preferido da crítica, tão aclamado que foi capaz de despertar o interesse de uma multinacional (Geffen). Nenhum elogio será exagerado. Esse álbum, originalmente duplo, é um grande trabalho de consagração, onde se condensa melhor que nunca o que o grupo vinha buscando: aplicar sua escola pós punk e seus dotes experimentais à canção de rock. Vem deste álbum seu status de marco da música alternativa. São muitas as músicas para amealhar, começando por essa faixa maiúscula que é Teen Age Riot. Mas também há certo espírito conceitual que obriga a escuta-lo do começo ao fim. Uma e outra vez.
quinta-feira, 19 de abril de 2012
A exuberância do punk
E já que a vibe é de rock "alternativo" americano, achei esse texto do Alexandre Matias no Trabalho Sujo.
O que nos leva a outra pequena discussão, pois o post é da época em que o Matias escrevia textos (sempre muito bons, por sinal). Mas acho que tudo não passa de um sinal dos tempos, pois além de o cara provavelmente estar na correira do trabalho (quem não está?), pelo que tenho visto, o povo gosta mesmo é de brevidade na internet.
Mas como sou um tanto quanto antiquado, o texto é bom demais, e o assunto principal é a exuberância da música punk, sequem as linhas do Matias:
"
25 de agosto de 2007 às 14h31
Zen Arcade – Hüsker Dü
“Estou sempre fascinado com o fato da música mostrar idéias para as pessoas. Você pode formar imagens, contar uma história, ser realmente didático sobre o assunto e contar as pessoas o que elas devem fazer. Mas acho que o verdadeiro poder da música é que o ouvinte pode ouvir o que quiser ali”, disse Bob Mould em uma velha entrevista à revista Grafitti. Um cara tão normal quanto você e eu, Mould conhecia este poder de perto e usou-o para explicar algumas coisas para seu público alvo, o jovem adulto, que não sabe se é adolescente ou maduro e vaga por indecisões morais, éticas e políticas que interferem diretamente em sua vida pessoal.
A psicologia usada por Mould e Grant Hart, o outro compositor e vocalista (além de baterista) do Hüsker Dü não usava metáforas nem floreava sentimentos. Os dois contavam suas próprias experiências e frustrações como narradores de histórias alheias. Olhavam para dentro de si e confessavam seus pecados e medos – os mesmos de todo mundo. Juntos com o baixista Greg Norton, cuspiam essas histórias casando canções perfeitas com o mais ousado punk rock sem perder suas referências básicas. Pesado, elétrico, energético e vigoroso, o Hüsker Dü é uma das bandas mais importantes dos anos 80 e da história do rock.
E há quase vinte e cinco anos escreviam o capítulo definitivo de suas vidas, a obra definitiva sobre o medo de crescer, a dor da responsabilidade, a transição da puberdade à maturidade. Zen Arcade era exatamente o que seu título propunha: um fliperama que leva o vencedor à paz de espírito. Em dois discos completos com canções mágicas e riffs matadores, o trio de Minneapolis conforta a insegurança do ouvinte como um desabafo de amigo e nos conta verdades que não sabíamos se podíamos admitir, para nosso alívio. Conflitos que todo mundo já viveu, mas nunca tem coragem para pedir ajuda. Quando se corre ao banheiro para chorar escondido e pensar se é possível que a vida valha a pena. Isso não é uma questão de classe(s), pois todo mundo passa por essa fase, por mais seguro que seja.
E Zen Arcade nos explica suas verdades e apresenta-nos seus medos sem romantismo ou intelectualidade. Há sim, poesia e ciência no Hüsker Dü, mas ela é palpável, humana e real. O trio não nos impõe regras ou dogmas, apenas nos conta uma história, dividida em várias partes, em que podemos observar nossas mais diferentes reações na pele de outra pessoa.
A história é simples. O personagem principal é um moleque que aos poucos aprende as dificuldades da vida (“Something I Learned Today”) – uma delas são seus pais que brigar toda noite (“Broken Home Broken Heart”), trazendo-lhe raiva (“Never Talking to You Again”) e fazendo com que ele pense em fugir de casa (‘Chartered Trip”). Sozinho no escuro do quarto, ele embebeda-se de sono (“Dreams Reoccurring”) enquanto certifica-se que a fuga é a melhor saída. Foge para a cidade grande (“Beyond the Threshold”) e vê-se sem dinheiro (“Hare Krsna”). É o suficiente para que passe a culpar-se pelo próprio erro, reconhecendo o orgulho idiota (“Pride”), a ausência dos pais (“I’ll Never Forget You”), um possível retorno (“The Biggest Lie”) e entrando num estado de confusão que o faz pensar na própria sanidade mental (“What’s Going On”) e no sentido da vida (“Masochism World”). Assume o próprio erro (“Somewhere”) e encontra a razão de viver olhando para o mar (“Standing by the Sea”) para depois admitir que não sabe lidar com responsabilidades (“Pink Turns to Blue”). Olha o mundo em sua volta (“Newest Industry”) e depois para si mesmo (“Whatever”), enquanto volta a se indispor durante o sono (“The Tooth Fairy and the Princess”). Até que percebe que o problema do mundo é a falta de amor (“Turn on the News”), acordando subitamente (“Reoccurring Dreams”). Foi tudo um sonho.
Sonho que também é uma boa alusão ao título do disco. Imerso nos sentimentos enquanto dorme, você exercita suas idéias e opiniões durante o sonho, filosofando durante uma concentração irracional, como um fliperama zen. Mas por que um fliperama?
Porque Zen Arcade é um desafio e é divertido. Florescendo junto com a primeira onda de hardcore, o grupo encontrou no punk rock um vasto terreno para crescer e dar frutos. E fizeram com o gênero o mesmo que os Beatles fizeram com o rock, que os Beastie Boys fizeram com o rap, que o Funkadelic fez com o funk, que o Kraftwerk fez com a música eletrônica: transformaram um gênero primal em um vasto leque de possibilidades inexploradas, reunindo dois pontos básicos e opostos. Ao mesmo tempo que empurravam os limites à distância possível, faziam-no com canções perfeitas, tiros certeiros, músicas nota 10. Fazer pensar e fazer cantar (ou dançar), colocar as duas inteligências para interagirem de forma harmônica, nos transpondo para aquela região da psiquê humana que só quem já se deixou influenciar completamente (mental, espiritual, físico e racionalmente) pela música conhece.
A comparação com os Beatles é a mais eficaz porque era o espelho que o trio se refletia. O fato de terem as canções distribuídas entre dois grandes compositores e intérpretes que se equilibravam (um mais visceral, outro mais emocional) e por escrever músicas em que tudo – absolutamente tudo – funciona, nos leva às docas de Liverpool que abre as portas da Inglaterra beatlesca. Mas o cenário é diferente: a psicodelia não é um artigo de luxo, mas um mal necessário para agüentarem a estruturação dos primeiros alicerces da cena indie americana. Enquanto os Beatles faziam incessantes turnês pelo mundo, o Hüsker Dü fazia o triplo de shows pelos Estados Unidos.
Então é compreensível o tipo de atmosfera que floresça o talento de uma geração de bandas que, descontado o fato que saem do barulho e da velocidade, pode ser considerada tão importante quanto a chamada British Invasion – ou ao rock clássico. Enquanto o Hüsker Dü eram os Beatles, os Replacements eram os Rolling Stones, os Minutemen eram o The Who, o Sonic Youth era o Velvet Underground, os Meat Puppets eram o Led Zeppelin, o Black Flag era o Black Sabbath, o R.E.M. eram os Byrds. Todos cruzando os Estados Unidos de perua e tocando onde dava pra tocar. Garagens transformadas em casas de shows em minúsculas cidades de estados distantes, criando toda uma geração de roqueiros que basta listar apenas algumas de suas crias num fôlego só (Nirvana, Sebadoh, Mudhoney, Pixies, Fugazi, Superchunk, Sleater-Kinney, Beastie Boys, Beck, Bikini Kill, Smashing Pumpkins, Tortoise e Pearl Jam) para se ter a noção da importância na história do rock.
Afinal foi esta geração que, durante os anos 80, construíram o rock independente americano. Nomes como Steve Albini, Jon Spencer, Ian McKaye, Henry Rollins, Jello Biaphra, HR, Glenn Branca, Mike Watt, Exene Cervenka, Stiv Bators, Lydia Lunch, Darby Crash e muitos outros hoje são celebridades de importância justamente porque ajudaram a construir esta cena. Mas foram as bandas que a tornaram possível. E todas elas atravessavam os EUA várias vezes em excursões intermináveis. E, como todas elas, o Hüsker Dü gravava seus discos nos intervalos, enquanto testava o repertório do próximo disco em plena turnê, testando versões diferentes de várias músicas durante os shows, fazendo com que cada apresentação da banda fosse única.
Zen Arcade é o ponto de mutação do grupo. A bateria martela a entrada marcial seguido de um baixo pós-punk tocado com palheta, num andamento que acelera à entrada da guitarra, tão desesperada quanto o vocal de Bob Mould: “Algo que aprendi hoje/ Preto e branco é sempre cinza”. “Something I Learned Today” abre o disco com violência e reflexão após verdades ditas de forma curta e grossa. O tema do lado A (a revolta) deste disco duplo em vinil é descrito a partir de seu primeiro sintoma: a raiva ante à imposição de regras. “Broken Home Broken Heart” desacelera mas continua com a urgência e dinâmica hardcore característica da primeira fase do grupo e descreve a aflição de um personagem atormentado pelas brigas dos pais (“Você não sabe quem está certo ou errado/ Tendo que se acabar chorar para conseguir dormir”). Ao violão, Grant Hart dá sua primeira contribuição ao disco. Seguido ao violão e voz por Bob, os dois abraçam o folk em I “Never Talking to You Again”, o definitivo racha do “personagem principal” com seus pais (entre aspas, porque o tema por trás do disco só pode ser entendido se ouvido na ordem em que ele foi concebido – sós, as canções não contam histórias, mas expressam determinados sentimentos).
A partir daí, uma mudança sutil passa a permear todas as canções. Mais do que explosões hardcore sobre músicas perfeitas, as próximas músicas soam mais complexas, sem perder nem espontaneidade nem o senso pop. Interessante destacar que esta mudança acontece logo após o rompimento com as figuras materna e paterna, no momento da vida em que todas as pessoas percebem que terão que decidir por si só tudo que diz respeito à vida delas. É o início da maturidade – musical, no caso do Hüsker Dü.
“Peguei minhas coisas numa mochila de nylon/ Ouvi o cobrador chamar/ Disse “o céu é o limite nesta viagem fretada/ Melhor ficar (longe daqui)”. A decisão de fugir de “Chartered Trips” parece tão convicta e ideal quanto seu instrumental. Abrindo com um dos riffs que mudaram a vida de Doug Martsch (do Built to Spill), dedilhado e veloz ao mesmo tempo, distorcido e melódico. Como o vocal de Bob, berrado como outras vezes, mas contido, sério, decidido, valorizando a melodia da canção. “O horizonte é abstrato”, canta, querendo apenas ir, sem destino, “Viagem fretada à diante”.
De repente, um disco de trás pra frente. “Dreams Reoccurring” traz solos de guitarra, uma violenta bateria, um baixo pesado, um riff conduzindo um ataque a três agressivo – tudo de trás pra frente, tudo fazendo perfeito sentido. Mas tudo soando lúdico e psicodélico devido à inversão sonora, dando o ar de sonho que a canção pede. Você só percebe que o som está invertido pelo timbre alienígena dos três instrumentos, mas todos os passos dela fazem sentido, um palíndromo gigantesco e perfeito, escrito através do rock.
Ela entra em “Indecision Time”, que faz o protagonista ter seu último escândalo adolescente. Brigando consigo mesmo, Bob Mould volta ao hardcore básico para mostrar o aspecto infantil e primitivo desta última revolta. Começa a fase da indecisão, o princípio da maturidade. “Questões como uma vela que queima nas duas pontas/ Nunca encontra uma resposta que se encaixe em seus planos/ Pra frente e pra trás entre o bem e o mal: Era da Indecisão/ Você é tão natural, tão livre/ Por que não decide o que é melhor pra mim?”, berra o último rock’n’roll abrutalhado do disco, “Vá pra esquerda, vá pra direita/ Sua mente fica acesa a noite toda/ Gira no sono, agarra-se às cobertas, sua à morte”. Sim, estamos entrando em alfa, o sonho vai começar.
Começa o lado B com Grant Hart fazendo tudo em “Hare Krsna”. O baterista usa uma bobagem qualquer sobre Hare Krishnas para aventurar-se pela música hindu sem culpa. Apenas com seus conhecimentos musicais da cultura da Índia (tirados dos Byrds, de John Coltrane, de George Harrison e Ravi Shankar, certamente), Hart balbucia mantras e berra o título da música enquanto experimenta guitarras sobre um andamento estranhamente oriental. A referência a um elemento místico na cultura pop e o momento solo de um dos compositores são características também de “The Tooth Fairy and the Princess”, de Bob Mould, que é tocada pouco antes do sonho (e do disco) acabar.
“Beyond the Threshold” é outro momento mágico. Uma frase musical é repetida com força e ritmo pelo trio, enquanto os dois vocalistas dividem vocais soturnos como os de “Murder Mystery”, do Velvet Underground, e berros que rasgariam para sempre a garganta de qualquer um. “Uma cidade cavala/ Um grande deserto/ Deserto de asfalto/ Selva de asfalto”. Chegamos à cidade grande, “além do limiar”, como diz o título da música.
“Pride” assiste Mould em outra sessão de gritos que fazer a garganta doer quando se ouve. Sobre um rhythm’n’blues aceleradíssimo (que orgulharia Pete Townshend, do Who), Bob amaldiçoa o orgulho por ele ser a razão da frieza na cidade. E por ele estar tomando conta de si mesmo em relação à separação dos pais: “Seus pais mandam dinheiro/ Mas ele não volta/ Sem reação, sem resposta/ Esqueça-o, apenas esqueça-o”.
Um polígono desenhado no baixo do jeito mais anos 80 possível abre “I’ll Never Forget You” e o coração do protagonista. Este xinga e chora as razões de ter saído de casa: “Disse tudo que eu sabia sobre mim para você/ Você não ouviu uma palavra do que eu disse/ Cuspi minhas intimidades, joguei tudo fora/ Nunca se importou comigo/ Só queria ser seu amigo/ Agora sei, tem que acabar/ Eu nunca vou te esquecer, eu nunca vou te perdoar”.
O riff sabbáthico começa a parábola do filho pródigo. “Você acha que você chegou ao topo porque todos conhecem seu nome/ Você ainda é o mesmo/ Seus sonhos não são pra sempre, melhor catar as coisas/ Pra um novo jogo”. O refrão é docemente pop e impossível de se imaginar numa banda punk. “De volta ao emprego/ De volta à namorada/ De volta à cidade natal/ A maior mentira”, se arrepende em cima da hora. Até que questiona a sua própria sanidade em “What’s Going On (Inside My Head)”, que conta com um piano inesperado. “Eu estava falando quando deveria estar ouvindo/ Não ouvi nada do que me foi dito/ Não devia ser importante/ Porque eu estava preocupado com o que estava acontecendo dentro da minha cabeça”. “Masochism World” vê um Grant Hart testando os limites físicos da dor, enquanto conduz o ritmo que termina em convulsão instrumental.
O lado C é o mais poético do disco. “Standing by the Sea”, outra de Hart, nos mostra o narrador contemplando a beleza do mar e entendendo a resposta da vida nas coisas mais simples, no caso, as ondas do mar. A canção é de uma beleza impressionante e não deixa o punk perder a força. “Procurando a verdade só encontrei mentiras/ Tentando achar uma identidade só achei um disfarce/ Vi o pesadelo quando tentei ver o sonho/ Encontrei a realidade tão perfeita como é”, arrepende-se em “Somewhere”, que também entra vigorosa para descambar num refrão essencialmente pop, com Mould sussurrando os vocais sob os berros de Hart. “Em algum lugar a poeira vai embora com a chuva/ Em algum lugar há felicidade em vez de tristeza/ Em algum lugar satisfação não tem nome/ Em algum lugar onde eu possa ser o mesmo”. Somente ao piano, o interlúdio “One Step at a Time” (Um passo de cada vez), nos mostra o ritmo que precisamos ter para tomarmos decisões.
E “Pink Turns to Blue” – de Hart – entra lenta, macia e perfeita, com vocais em falsete e uma doce melodia. Conta a historinha de um casal que não sabe direito o que é amor para concluir, com medo, no refrão que “eu não sei o que fazer quando o rosa torna-se azul (ou triste, dependendo da tradução)”. Ela nos lembra da dureza que é quando a vida fecha a porta na cara da gente pela primeira vez, a sensação de impotência cantada com doçura e perfeição pop. “Newest Industry” é a desculpa que Mould precisava para falar de política, ainda que com a sensibilidade melódica aguçadíssima, criando um painel em que os Estados Unidos atravessam uma guerra em seu país. “Bombardearam o leste, bombardearam o norte, não há mais para onde ir/ (…) Vamos anexar o México/ O peso vale só dez centavos, mas eles têm toda aquela terra/ Nem precisa guerra civil, eles irão entender, né?”, ironiza. Ao final, Bob volta ao piano para mostrar – como um velho professor – que o riff de guitarra que estava tocando era, na verdade, uma frase musical.
A desculpa vem ao fim em “Whatever”. “Ele vive em sua imaginação, com aqueles amigos dele/ Ele não se dá com o mundo exterior, prefere ficar só/ Às vezes, tarde da noite, ele tenta entender o porquê/ Os planos que fez nunca acontecem, tudo que faz é chorar”, canta Bob Mould sobre o cavalgar do trio, “Seus pais não entendem onde seu filho deu errado/ Ele foge da dor, esquecendo deles quando fugiu/ Prefere ficar só, seus planos são melhores/ Ele finalmente encara a coragem e a vida torna-se um teste”. O refrão é berrado e tem gosto amargo, mas não de arrependimento: “Mãe e pai perdoem-me/ Mãe e pai não se preocupem/ Não sou o filho que vocês queriam, o que mais vocês podem esperar?/ Fiz meu mundo de felicidade para combater sua negligência”. Antes do fim do lado C, Mould tem seu momento solo com a sonolenta “The Tooth Fairy and the Princess”. Invertendo trechos de guitarra e uma discreta percussão, ele superpõe os efeitos sonoros sobre um dedilhado psicodélico e vozes fantasmagóricas e monótonas: “Não desista/ Não deixe ir/ Não ceda/ Não deixe/ Em sua cama/ À noite/ Tão quente/ Não acorde”.
O lado D abre com “Turn on the News” – outro momento político, outro punk clássico, desta vez de Hart – que cita os problemas de nossa sociedade (“Escuto todo dia no rádio/ Um cara matou outro que nem conhecia/ Aviões caindo do céu/ Um bebê nasce e outro morre/ Rodovias repletas de refugiados/ Médicos descobrindo sobre doenças”) e detecta a raiz destes (“Tudo isso nos deixa distantes daqueles que amamos”). A jam de “Reoccurring Dreams” volta agora certa, tocada da forma correta (e prolongando-se em 13 minutos até o fim do disco). E ao ouvirmos quase a mesma música com timbres certos, voltamos à realidade e acordamos do sonho. Um passeio pela mente de qualquer adolescente inconformado com sua situação. Revolta, vingança, arrependimento e maturidade – um ciclo obrigatório que o protagonista vive num sonho.
Isso tudo num disco duplo gravado em pouco mais de três dias, grande parte das músicas gravadas em apenas um take e mais de 80 horas só para a mixagem. Pro Hüsker Dü, tempo era energia. Não dava para perdê-lo, tinha de ser gasto. Zen Arcade é só uma metáfora de sua carreira. A melhor de todas."
O que nos leva a outra pequena discussão, pois o post é da época em que o Matias escrevia textos (sempre muito bons, por sinal). Mas acho que tudo não passa de um sinal dos tempos, pois além de o cara provavelmente estar na correira do trabalho (quem não está?), pelo que tenho visto, o povo gosta mesmo é de brevidade na internet.
Mas como sou um tanto quanto antiquado, o texto é bom demais, e o assunto principal é a exuberância da música punk, sequem as linhas do Matias:
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25 de agosto de 2007 às 14h31
Zen Arcade – Hüsker Dü
“Estou sempre fascinado com o fato da música mostrar idéias para as pessoas. Você pode formar imagens, contar uma história, ser realmente didático sobre o assunto e contar as pessoas o que elas devem fazer. Mas acho que o verdadeiro poder da música é que o ouvinte pode ouvir o que quiser ali”, disse Bob Mould em uma velha entrevista à revista Grafitti. Um cara tão normal quanto você e eu, Mould conhecia este poder de perto e usou-o para explicar algumas coisas para seu público alvo, o jovem adulto, que não sabe se é adolescente ou maduro e vaga por indecisões morais, éticas e políticas que interferem diretamente em sua vida pessoal.
A psicologia usada por Mould e Grant Hart, o outro compositor e vocalista (além de baterista) do Hüsker Dü não usava metáforas nem floreava sentimentos. Os dois contavam suas próprias experiências e frustrações como narradores de histórias alheias. Olhavam para dentro de si e confessavam seus pecados e medos – os mesmos de todo mundo. Juntos com o baixista Greg Norton, cuspiam essas histórias casando canções perfeitas com o mais ousado punk rock sem perder suas referências básicas. Pesado, elétrico, energético e vigoroso, o Hüsker Dü é uma das bandas mais importantes dos anos 80 e da história do rock.
E há quase vinte e cinco anos escreviam o capítulo definitivo de suas vidas, a obra definitiva sobre o medo de crescer, a dor da responsabilidade, a transição da puberdade à maturidade. Zen Arcade era exatamente o que seu título propunha: um fliperama que leva o vencedor à paz de espírito. Em dois discos completos com canções mágicas e riffs matadores, o trio de Minneapolis conforta a insegurança do ouvinte como um desabafo de amigo e nos conta verdades que não sabíamos se podíamos admitir, para nosso alívio. Conflitos que todo mundo já viveu, mas nunca tem coragem para pedir ajuda. Quando se corre ao banheiro para chorar escondido e pensar se é possível que a vida valha a pena. Isso não é uma questão de classe(s), pois todo mundo passa por essa fase, por mais seguro que seja.
E Zen Arcade nos explica suas verdades e apresenta-nos seus medos sem romantismo ou intelectualidade. Há sim, poesia e ciência no Hüsker Dü, mas ela é palpável, humana e real. O trio não nos impõe regras ou dogmas, apenas nos conta uma história, dividida em várias partes, em que podemos observar nossas mais diferentes reações na pele de outra pessoa.
A história é simples. O personagem principal é um moleque que aos poucos aprende as dificuldades da vida (“Something I Learned Today”) – uma delas são seus pais que brigar toda noite (“Broken Home Broken Heart”), trazendo-lhe raiva (“Never Talking to You Again”) e fazendo com que ele pense em fugir de casa (‘Chartered Trip”). Sozinho no escuro do quarto, ele embebeda-se de sono (“Dreams Reoccurring”) enquanto certifica-se que a fuga é a melhor saída. Foge para a cidade grande (“Beyond the Threshold”) e vê-se sem dinheiro (“Hare Krsna”). É o suficiente para que passe a culpar-se pelo próprio erro, reconhecendo o orgulho idiota (“Pride”), a ausência dos pais (“I’ll Never Forget You”), um possível retorno (“The Biggest Lie”) e entrando num estado de confusão que o faz pensar na própria sanidade mental (“What’s Going On”) e no sentido da vida (“Masochism World”). Assume o próprio erro (“Somewhere”) e encontra a razão de viver olhando para o mar (“Standing by the Sea”) para depois admitir que não sabe lidar com responsabilidades (“Pink Turns to Blue”). Olha o mundo em sua volta (“Newest Industry”) e depois para si mesmo (“Whatever”), enquanto volta a se indispor durante o sono (“The Tooth Fairy and the Princess”). Até que percebe que o problema do mundo é a falta de amor (“Turn on the News”), acordando subitamente (“Reoccurring Dreams”). Foi tudo um sonho.
Sonho que também é uma boa alusão ao título do disco. Imerso nos sentimentos enquanto dorme, você exercita suas idéias e opiniões durante o sonho, filosofando durante uma concentração irracional, como um fliperama zen. Mas por que um fliperama?
Porque Zen Arcade é um desafio e é divertido. Florescendo junto com a primeira onda de hardcore, o grupo encontrou no punk rock um vasto terreno para crescer e dar frutos. E fizeram com o gênero o mesmo que os Beatles fizeram com o rock, que os Beastie Boys fizeram com o rap, que o Funkadelic fez com o funk, que o Kraftwerk fez com a música eletrônica: transformaram um gênero primal em um vasto leque de possibilidades inexploradas, reunindo dois pontos básicos e opostos. Ao mesmo tempo que empurravam os limites à distância possível, faziam-no com canções perfeitas, tiros certeiros, músicas nota 10. Fazer pensar e fazer cantar (ou dançar), colocar as duas inteligências para interagirem de forma harmônica, nos transpondo para aquela região da psiquê humana que só quem já se deixou influenciar completamente (mental, espiritual, físico e racionalmente) pela música conhece.
A comparação com os Beatles é a mais eficaz porque era o espelho que o trio se refletia. O fato de terem as canções distribuídas entre dois grandes compositores e intérpretes que se equilibravam (um mais visceral, outro mais emocional) e por escrever músicas em que tudo – absolutamente tudo – funciona, nos leva às docas de Liverpool que abre as portas da Inglaterra beatlesca. Mas o cenário é diferente: a psicodelia não é um artigo de luxo, mas um mal necessário para agüentarem a estruturação dos primeiros alicerces da cena indie americana. Enquanto os Beatles faziam incessantes turnês pelo mundo, o Hüsker Dü fazia o triplo de shows pelos Estados Unidos.
Então é compreensível o tipo de atmosfera que floresça o talento de uma geração de bandas que, descontado o fato que saem do barulho e da velocidade, pode ser considerada tão importante quanto a chamada British Invasion – ou ao rock clássico. Enquanto o Hüsker Dü eram os Beatles, os Replacements eram os Rolling Stones, os Minutemen eram o The Who, o Sonic Youth era o Velvet Underground, os Meat Puppets eram o Led Zeppelin, o Black Flag era o Black Sabbath, o R.E.M. eram os Byrds. Todos cruzando os Estados Unidos de perua e tocando onde dava pra tocar. Garagens transformadas em casas de shows em minúsculas cidades de estados distantes, criando toda uma geração de roqueiros que basta listar apenas algumas de suas crias num fôlego só (Nirvana, Sebadoh, Mudhoney, Pixies, Fugazi, Superchunk, Sleater-Kinney, Beastie Boys, Beck, Bikini Kill, Smashing Pumpkins, Tortoise e Pearl Jam) para se ter a noção da importância na história do rock.
Afinal foi esta geração que, durante os anos 80, construíram o rock independente americano. Nomes como Steve Albini, Jon Spencer, Ian McKaye, Henry Rollins, Jello Biaphra, HR, Glenn Branca, Mike Watt, Exene Cervenka, Stiv Bators, Lydia Lunch, Darby Crash e muitos outros hoje são celebridades de importância justamente porque ajudaram a construir esta cena. Mas foram as bandas que a tornaram possível. E todas elas atravessavam os EUA várias vezes em excursões intermináveis. E, como todas elas, o Hüsker Dü gravava seus discos nos intervalos, enquanto testava o repertório do próximo disco em plena turnê, testando versões diferentes de várias músicas durante os shows, fazendo com que cada apresentação da banda fosse única.
Zen Arcade é o ponto de mutação do grupo. A bateria martela a entrada marcial seguido de um baixo pós-punk tocado com palheta, num andamento que acelera à entrada da guitarra, tão desesperada quanto o vocal de Bob Mould: “Algo que aprendi hoje/ Preto e branco é sempre cinza”. “Something I Learned Today” abre o disco com violência e reflexão após verdades ditas de forma curta e grossa. O tema do lado A (a revolta) deste disco duplo em vinil é descrito a partir de seu primeiro sintoma: a raiva ante à imposição de regras. “Broken Home Broken Heart” desacelera mas continua com a urgência e dinâmica hardcore característica da primeira fase do grupo e descreve a aflição de um personagem atormentado pelas brigas dos pais (“Você não sabe quem está certo ou errado/ Tendo que se acabar chorar para conseguir dormir”). Ao violão, Grant Hart dá sua primeira contribuição ao disco. Seguido ao violão e voz por Bob, os dois abraçam o folk em I “Never Talking to You Again”, o definitivo racha do “personagem principal” com seus pais (entre aspas, porque o tema por trás do disco só pode ser entendido se ouvido na ordem em que ele foi concebido – sós, as canções não contam histórias, mas expressam determinados sentimentos).
A partir daí, uma mudança sutil passa a permear todas as canções. Mais do que explosões hardcore sobre músicas perfeitas, as próximas músicas soam mais complexas, sem perder nem espontaneidade nem o senso pop. Interessante destacar que esta mudança acontece logo após o rompimento com as figuras materna e paterna, no momento da vida em que todas as pessoas percebem que terão que decidir por si só tudo que diz respeito à vida delas. É o início da maturidade – musical, no caso do Hüsker Dü.
“Peguei minhas coisas numa mochila de nylon/ Ouvi o cobrador chamar/ Disse “o céu é o limite nesta viagem fretada/ Melhor ficar (longe daqui)”. A decisão de fugir de “Chartered Trips” parece tão convicta e ideal quanto seu instrumental. Abrindo com um dos riffs que mudaram a vida de Doug Martsch (do Built to Spill), dedilhado e veloz ao mesmo tempo, distorcido e melódico. Como o vocal de Bob, berrado como outras vezes, mas contido, sério, decidido, valorizando a melodia da canção. “O horizonte é abstrato”, canta, querendo apenas ir, sem destino, “Viagem fretada à diante”.
De repente, um disco de trás pra frente. “Dreams Reoccurring” traz solos de guitarra, uma violenta bateria, um baixo pesado, um riff conduzindo um ataque a três agressivo – tudo de trás pra frente, tudo fazendo perfeito sentido. Mas tudo soando lúdico e psicodélico devido à inversão sonora, dando o ar de sonho que a canção pede. Você só percebe que o som está invertido pelo timbre alienígena dos três instrumentos, mas todos os passos dela fazem sentido, um palíndromo gigantesco e perfeito, escrito através do rock.
Ela entra em “Indecision Time”, que faz o protagonista ter seu último escândalo adolescente. Brigando consigo mesmo, Bob Mould volta ao hardcore básico para mostrar o aspecto infantil e primitivo desta última revolta. Começa a fase da indecisão, o princípio da maturidade. “Questões como uma vela que queima nas duas pontas/ Nunca encontra uma resposta que se encaixe em seus planos/ Pra frente e pra trás entre o bem e o mal: Era da Indecisão/ Você é tão natural, tão livre/ Por que não decide o que é melhor pra mim?”, berra o último rock’n’roll abrutalhado do disco, “Vá pra esquerda, vá pra direita/ Sua mente fica acesa a noite toda/ Gira no sono, agarra-se às cobertas, sua à morte”. Sim, estamos entrando em alfa, o sonho vai começar.
Começa o lado B com Grant Hart fazendo tudo em “Hare Krsna”. O baterista usa uma bobagem qualquer sobre Hare Krishnas para aventurar-se pela música hindu sem culpa. Apenas com seus conhecimentos musicais da cultura da Índia (tirados dos Byrds, de John Coltrane, de George Harrison e Ravi Shankar, certamente), Hart balbucia mantras e berra o título da música enquanto experimenta guitarras sobre um andamento estranhamente oriental. A referência a um elemento místico na cultura pop e o momento solo de um dos compositores são características também de “The Tooth Fairy and the Princess”, de Bob Mould, que é tocada pouco antes do sonho (e do disco) acabar.
“Beyond the Threshold” é outro momento mágico. Uma frase musical é repetida com força e ritmo pelo trio, enquanto os dois vocalistas dividem vocais soturnos como os de “Murder Mystery”, do Velvet Underground, e berros que rasgariam para sempre a garganta de qualquer um. “Uma cidade cavala/ Um grande deserto/ Deserto de asfalto/ Selva de asfalto”. Chegamos à cidade grande, “além do limiar”, como diz o título da música.
“Pride” assiste Mould em outra sessão de gritos que fazer a garganta doer quando se ouve. Sobre um rhythm’n’blues aceleradíssimo (que orgulharia Pete Townshend, do Who), Bob amaldiçoa o orgulho por ele ser a razão da frieza na cidade. E por ele estar tomando conta de si mesmo em relação à separação dos pais: “Seus pais mandam dinheiro/ Mas ele não volta/ Sem reação, sem resposta/ Esqueça-o, apenas esqueça-o”.
Um polígono desenhado no baixo do jeito mais anos 80 possível abre “I’ll Never Forget You” e o coração do protagonista. Este xinga e chora as razões de ter saído de casa: “Disse tudo que eu sabia sobre mim para você/ Você não ouviu uma palavra do que eu disse/ Cuspi minhas intimidades, joguei tudo fora/ Nunca se importou comigo/ Só queria ser seu amigo/ Agora sei, tem que acabar/ Eu nunca vou te esquecer, eu nunca vou te perdoar”.
O riff sabbáthico começa a parábola do filho pródigo. “Você acha que você chegou ao topo porque todos conhecem seu nome/ Você ainda é o mesmo/ Seus sonhos não são pra sempre, melhor catar as coisas/ Pra um novo jogo”. O refrão é docemente pop e impossível de se imaginar numa banda punk. “De volta ao emprego/ De volta à namorada/ De volta à cidade natal/ A maior mentira”, se arrepende em cima da hora. Até que questiona a sua própria sanidade em “What’s Going On (Inside My Head)”, que conta com um piano inesperado. “Eu estava falando quando deveria estar ouvindo/ Não ouvi nada do que me foi dito/ Não devia ser importante/ Porque eu estava preocupado com o que estava acontecendo dentro da minha cabeça”. “Masochism World” vê um Grant Hart testando os limites físicos da dor, enquanto conduz o ritmo que termina em convulsão instrumental.
O lado C é o mais poético do disco. “Standing by the Sea”, outra de Hart, nos mostra o narrador contemplando a beleza do mar e entendendo a resposta da vida nas coisas mais simples, no caso, as ondas do mar. A canção é de uma beleza impressionante e não deixa o punk perder a força. “Procurando a verdade só encontrei mentiras/ Tentando achar uma identidade só achei um disfarce/ Vi o pesadelo quando tentei ver o sonho/ Encontrei a realidade tão perfeita como é”, arrepende-se em “Somewhere”, que também entra vigorosa para descambar num refrão essencialmente pop, com Mould sussurrando os vocais sob os berros de Hart. “Em algum lugar a poeira vai embora com a chuva/ Em algum lugar há felicidade em vez de tristeza/ Em algum lugar satisfação não tem nome/ Em algum lugar onde eu possa ser o mesmo”. Somente ao piano, o interlúdio “One Step at a Time” (Um passo de cada vez), nos mostra o ritmo que precisamos ter para tomarmos decisões.
E “Pink Turns to Blue” – de Hart – entra lenta, macia e perfeita, com vocais em falsete e uma doce melodia. Conta a historinha de um casal que não sabe direito o que é amor para concluir, com medo, no refrão que “eu não sei o que fazer quando o rosa torna-se azul (ou triste, dependendo da tradução)”. Ela nos lembra da dureza que é quando a vida fecha a porta na cara da gente pela primeira vez, a sensação de impotência cantada com doçura e perfeição pop. “Newest Industry” é a desculpa que Mould precisava para falar de política, ainda que com a sensibilidade melódica aguçadíssima, criando um painel em que os Estados Unidos atravessam uma guerra em seu país. “Bombardearam o leste, bombardearam o norte, não há mais para onde ir/ (…) Vamos anexar o México/ O peso vale só dez centavos, mas eles têm toda aquela terra/ Nem precisa guerra civil, eles irão entender, né?”, ironiza. Ao final, Bob volta ao piano para mostrar – como um velho professor – que o riff de guitarra que estava tocando era, na verdade, uma frase musical.
A desculpa vem ao fim em “Whatever”. “Ele vive em sua imaginação, com aqueles amigos dele/ Ele não se dá com o mundo exterior, prefere ficar só/ Às vezes, tarde da noite, ele tenta entender o porquê/ Os planos que fez nunca acontecem, tudo que faz é chorar”, canta Bob Mould sobre o cavalgar do trio, “Seus pais não entendem onde seu filho deu errado/ Ele foge da dor, esquecendo deles quando fugiu/ Prefere ficar só, seus planos são melhores/ Ele finalmente encara a coragem e a vida torna-se um teste”. O refrão é berrado e tem gosto amargo, mas não de arrependimento: “Mãe e pai perdoem-me/ Mãe e pai não se preocupem/ Não sou o filho que vocês queriam, o que mais vocês podem esperar?/ Fiz meu mundo de felicidade para combater sua negligência”. Antes do fim do lado C, Mould tem seu momento solo com a sonolenta “The Tooth Fairy and the Princess”. Invertendo trechos de guitarra e uma discreta percussão, ele superpõe os efeitos sonoros sobre um dedilhado psicodélico e vozes fantasmagóricas e monótonas: “Não desista/ Não deixe ir/ Não ceda/ Não deixe/ Em sua cama/ À noite/ Tão quente/ Não acorde”.
O lado D abre com “Turn on the News” – outro momento político, outro punk clássico, desta vez de Hart – que cita os problemas de nossa sociedade (“Escuto todo dia no rádio/ Um cara matou outro que nem conhecia/ Aviões caindo do céu/ Um bebê nasce e outro morre/ Rodovias repletas de refugiados/ Médicos descobrindo sobre doenças”) e detecta a raiz destes (“Tudo isso nos deixa distantes daqueles que amamos”). A jam de “Reoccurring Dreams” volta agora certa, tocada da forma correta (e prolongando-se em 13 minutos até o fim do disco). E ao ouvirmos quase a mesma música com timbres certos, voltamos à realidade e acordamos do sonho. Um passeio pela mente de qualquer adolescente inconformado com sua situação. Revolta, vingança, arrependimento e maturidade – um ciclo obrigatório que o protagonista vive num sonho.
Isso tudo num disco duplo gravado em pouco mais de três dias, grande parte das músicas gravadas em apenas um take e mais de 80 horas só para a mixagem. Pro Hüsker Dü, tempo era energia. Não dava para perdê-lo, tinha de ser gasto. Zen Arcade é só uma metáfora de sua carreira. A melhor de todas."
Disco do dia
Sonic Youths a parte, o disco do dia é o Ghost Is Born, do Wilco.
Aliás, não sei se você concorda, mas eu acho que o Wilco é meio que o equivalente americano do Radiohead, tipo alma gêmea. Estou viajando? Pode ser, afinal, conheço bem mais os ingleses que os yankees.
O último?
E já que esse é o assunto principal, não custa lembrar que o, ao menos até agora, último show da banda aconteceu aqui mesmo no Brasil.
Não sei se você vai gostar, afinal de contas foi uma catarse esporrenta, na minha opinião, linda de doer!
Não sei se você vai gostar, afinal de contas foi uma catarse esporrenta, na minha opinião, linda de doer!
A melhor banda, de todos os tempos, da última semana ...
Minha atual banda favorita!!!
Ainda postarei mais sobre eles...
Ainda postarei mais sobre eles...
terça-feira, 3 de abril de 2012
Alguém anotou a placa???
Acabo de ver esse filme...
Estou quase catatônico...
Laranja Mecânica dos anos 2000???
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