Essa é do blog Impop:
"Nação Zumbi: da afrociberdelia ao afrofuturismo
Domingo, 19 Março, 2006
Futura aborda uma sonoridade psicodélica e futurista, unindo códigos ancestrais aos digitais. É o afrofuturismo da Nação Zumbi.
Quando o guitarrista Lúcio Maia avisou: “John Coltrane é afrofuturista”, durante um show no Sesc Interlagos, em 2004, revelou que a Nação Zumbi já ensaiava Futura.
O terceiro lançamento da Nação Zumbi – sétimo contando com os da era Chico Science – promove uma evolução conceitual da afrociberdelia ao afrofuturismo. Revela que, para a banda, futuro não pressupõe avanço; nem passado, retrocesso. São engajados com um propósito: criar futuros presentes. A Nação Zumbi não só moderniza o passado, introduz vertentes futuras.
Futura é um manifesto estético-musical. Faz o maracatu que pesa uma tonelada desafiar a gravidade. É espacial, levita e se desdobra em fragmentos de ritmos e harmonias. Múltiplos em ação simultânea: polirritimias africanas, texturas sônicas, analógicas e digitais, sobrepostas. A tradução do híbrido se encontra em “Voyager”. Não é convencionalmente dub, nem rock, hip hop, funk e maracatu. Original e impura.
As letras e temas do CD atestam o diálogo desafiador com as peripécias do tempo. “Hoje, amanhã e depois” aborda a previsibilidade do cotidiano com um riff de guitarra hipnótico. O dia-a-dia continua na mira em “A ilha” e “Sem preço”, destacando a mudança de percepção como força revolucionária. Por um futuro de opiniões libertárias, a Nação Zumbi ataca a manipulação das massas em “Pode Acreditar”, com uma espécie rara de baião. Mas o maracatu continua de tiro certeiro. O tempo certo está nos ritmos quebrados de “Na hora de ir”. O incerto, atemporal, surge com a transformação de Lampião em Zumbi e vice-versa, em “Memorando”. Já a inércia terapêutica, através de uma “semente que vira remédio”, aparece em “Vá buscar”. São as duas músicas que passam pelas trilhas produzidas nos discos “Rádio S.A.M.B.A” (2000) e “Nação Zumbi” (2002).
Para garantir o que está fora de controle, uma figa estampa a capa do disco. Não sem propósito, é culturalmente intuitivo. Já os tons em preto e branco são provocantes. “A idéia é a de uma psicodelia em preto e branco”, afirma Jorge du Peixe, vocalista, letrista e percussionista da NZ. Ao paradoxo estético soma-se o musical: os sons de Futura foram processados por uma parafernália vintage, sendo que com nuances inéditas. “Usamos sintetizadores moog, vocoder, reverb de mola, mas sem pensar em fazer algo retrô”, explica Jorge.
Aí se destaca a arte do produtor Scott Hard, que se empenhou para trabalhar de novo com a NZ. No disco anterior, “Nação Zumbi”, só participou da mixagem. Tendo na bagagem trabalhos com o De La Soul, Medeski, Martin & Wood entre outros, teve uma interação complementar. “Scott foi o co-produtor do disco”, reconhece Jorge.
A produção acompanhou as necessidades orgânicas da banda e foi corajosa. Valorizou as suas tantas possibilidades rítmicas sem colocar tambores, baixo e guitarra a serviço do peso, uma marca da Nação Zumbi.
As paisagens harmônicas ganharam destaque, ilustrando as imagens sugeridas pelas letras. Algo cinemático e cerebral. Um lugar único no universo da música global, vizinho dos projetos da gravadora Ninja Tune e daqueles que promovem a Inteligent Dance Music (IDM), como o Four Tet. Uma pista está na intervenção guitarrística de Lúcio em “Respirando”. Mimadas de processamentos sonoros, de incontidos efeitos e distorções, em geral, as guitarras esnobaram os tradicionais overdrive e wah wah.
Como parte integrante de um novo e instigante momento musical brasileiro, o grande gueto aberto de Zumbi, como diz Jorge du Peixe, deu abrigo à multiplicação de idéias, sotaques e novos sons produzidos por aqui. O multiinstrumentista Maurício Takara (Hurtmold) soprou atonalidades jazzísticas pelo seu trumpete em “Sem Preço”. “Na hora de ir” e “Pode acreditar” sentiram as desconstruções da guitarra de Catatau, do Cidadão Instigado. Alexandre Basa (Instituto), em “Respirando”, mostrou como a flauta transversal vive sem o Clube da Esquina e a Bossa Nova. Já Kassin (Artificial) dialogou com o baterista Pupilo através de sons percussivos produzidos em Game Boy na caótica “Expresso da elétrica avenida”.
A Nação Zumbi é uma casa grande de não-lugares urbanos, indefectíveis, embora não indentificáveis. Recife, a manguetown, já não é uma matriz soberana. “O que a gente tem de absorver de Recife já está dentro de todo mundo”, assume Jorge. Com sua voz gutural, cada vez mais bem postada, buscou diferenciais nas evoluções melódicas, dando suas alfinetadas poéticas com métricas que foram para além do hip hop. “A música oferece: tá a fim de cantar ou de falar? Como ficaram com mais harmonia e pouca rima, as possibilidades de cantar foram maiores”, explica."
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