Será que vale a pena falar algo mais sobre a morte de Amy Winehouse?
Desde sábado foi uma verdadeira enxurrada de notícias (boatos, na verdade, pois notícia mesmo só o fato incontestável da morte), do canal Globo News a Ana Maria Braga, passando por Jornal Nacional e uma extensa atenção dada pelo Fantástico, isso só para ficar na programação da TODA PODEROSA emissora do Plim Plim.
Porém, mesmo com horas e horas dedicadas à moça, tudo que se viu/ouviu foram, como dito, boatos sobre as causas, comentários mais do que repetitivos sobre seu histórico de abuso de drogas (lícitas e ilícitas), e uma análise mais do que superficial/batida de sua (pequena) obra musical.
Isso sem falar em coisas bizarras como “a tradução de seu maior sucesso era um pedido de socorro”, ou supostas fãs devidamente “emperucadas” dublando a música nos corredores de um shopping- center em algum lugar do Brasil (RJ ou SP, creio).
A menina merecia mais, e resta esperar pelas revistas musicais inglesas no mês que vem, que certamente trarão seus obituários e matérias mais substanciais.
De minha parte, gostaria de abordar aqui dois aspectos.
O primeiro, da morte aos 27 anos, a “idade maldita do pop”.
A lista de mortes de ídolos pop aos 27 é tão extensa quanto célebre.
Essas mortes são quase sempre ligadas ao abuso de alguma substância alteradora de estado, isso quando não provocadas diretamente por elas.
Ainda que o hedonismo seja uma característica presente no mundo das celebridades pop, e na juventude em geral, o fator “pé na jaca” me parece muito mais uma forma “segura” de escapismo para pessoas que passaram por perrengues muito pesados. Bom, qual jovem adulto não passa por dilemas e sofrimentos? Ok, mas nem todos estão sob a luz dos holofotes do showbizz (os clichês às vezes são irresistíveis).
Quanto ao fator 27 anos, sinceramente, me parece apenas uma infeliz coincidência, que só faz reforçar os mitos.
Vamos aos célebres exemplos:
- Brian (afogado em sua própria piscina). A maior força criativa (musicalmente falando) dos Rolling Stones nos anos 60, tinha sido recentemente demitido da banda que fundara, e de cuja liderança havia sido alijado pela dupla Jagger/Richards. Sem qualquer força mental para manter seu papel de líder, ainda viu sua mulher ser, literalmente, roubada por Keith Richards. Ainda que se considere a teoria do acidente fatal provocado pelo empreiteiro responsável pelas obras em sua casa (vejam o filme Stoned), a conjunção dos fatores acima torna absolutamente justificável que Jones estivesse pegando pesadíssimo com as drogas, o que acabaria por contribuir para sua morte.
- Jim. Essa história é bem conhecida, certo? Tirando um pouco do romantismo que cerca o “Rei Lagarto”, especialmente após a cinebiografia, o fato é que Morrison, então um sex symbol , estava gordo e cansado da perseguição da polícia e dos moralistas, o que forçou seu auto-exílio em Paris. Nada mais romântico, portanto, para um poeta, do que morrer numa banheira em Paris, com heroína correndo pelas veias, certo?
- Janis. Outra fábula eterna. Só imagine uma coisa: você é a dona da voz feminina mais ouvida e desejada do momento e, ao mesmo tempo, é uma mulher sozinha (e feia) e extremamente carente de amor! Canta para multidões apaixonadas e vai dormir sozinha num quarto de hotel. Resultado, litros e litros de álcool por dia e muitas outras coisas na veia, pelo nariz e por aí vai.
- Jimmy. Aqui, talvez, o fator hedonista esteja mais presente. Ainda assim, o cara se via obrigado a trabalhar exaustivamente, não apenas por ser um doido perfeccionista, mas por uma série de contratos muito mal feitos que o obrigavam a ralar mais que dobrado para tentar ganhar alguma grana. Resultado: goró com bolinhas para dormir e um afogamento pelo próprio vômito. Nada romântico nisso!
-Kurt. Até então o caso mais recente! Um mané, no bom sentido, de Seattle. Um punk que só queria fazer ruídos com sua guitarra e que, de repente, desbancou Michael Jackson do topo das paradas, “salvou o rock” e vendeu milhões de discos. Claro, e ganhou milhões de dólares com isso. Só que não se esqueça que ele era apenas um “mané” de Seattle, ou seja, não queria nada disso – tá certo, isso é discutível, mas ao menos ele não sabia lidar com essa situação, e esse fato é incontestável – que passou a sofrer de dores terríveis de estômago, e então passou a mandar muita heroína, e ficou de saco cheio e se meteu uma bala (e citou Neil Young no bilhete derradeiro).
E quanto a Amy?
Reduzir esta garota extremamente talentosa a apenas uma junkie pé sujo, com um gosto estranho por penteados e tatuagens de pin-ups é, na minha opinião, um erro gravíssimo.
Ainda que ela tenha mostrado um sincero gosto pela balada, ali estava uma menina extremamente insegura e que definitivamente não conseguiu lidar com as pressões (fazer um sucessor para Back to Black não é tarefa fácil para ninguém) e mazelas (solidão, falta de privacidade, etc...) do sucesso.
Não agüentou o tranco e pronto, isso é humano e acontece!
Tem ainda uma teoria mais “filosófico-cabeça-espiritual”, que é levantada no documentário do Joe Strummer do Clash, de que certas pessoas no mundo queimam suas chamas internas por todos os outros, e em razão dessa carga/responsabilidade se apagam mais cedo que a maioria. Bem, é só mais uma teoria, mas ...
Quanto ao aspecto musical, penso que a Srta. Winehouse vai deixar saudade.
Basta dizer que Amy era uma espécie de musa (musical) desse blog.
Acho seu primeiro disco bem meia boca, um verdadeiro pastiche de Lauryn Hill, ainda que de bom gosto.
Já o segundo e derradeiro (ao menos em vida), Back to Black é um discaço!!!
Raras vezes nos últimos anos se viu na música pop um álbum tão bom do início ao fim.
Letras verdadeiras e interessantes, produção classe A e instrumental magnífico, a cargo, claro, dos Dapkings.
Em plena era dos downloads vendeu cerca de 10 milhões de cópias (imagine o que teria ocorrido no início dos anos 90).
A versão deluxe é melhor ainda, com algumas ótimas versões de músicas clássicas com uma pegada totalmente 2Tone (segunda onda do Ska, que explodiu na Inglaterra no final dos 70, início dos 80).
Daí se percebem as razões da pressão em fazer um terceiro álbum.
E que venham os lançamentos póstumos, que devem aparecer aos montes nos próximos anos, e que nem sempre honram a qualidade dos trabalhos em vida.
Ao menos teremos a chance de conhecer as ditas músicas recusadas pela gravadora por terem uma pegada reggae demais e letras sombrias, o que, por si só, já é um ótimo sinal.
R.I.P. Amy Winehous (1983-2011)
A musa e seus mestres!!!
Ela era uma tremenda artista. Sobre o uso de drogas, é irrelevante. Ela era maior de idade e livre. Psicologismo é uma canoa furada.
ResponderExcluirAlexandre,
ResponderExcluirNem tenho capacidade técnica para entender os fatos do ponto de vista da psicologia. A decisão de usar drogas é, na minha opinião, uma questão de livre arbítrio e como tal deve ser respeitada, mas não se pode negar que muitas vezes serve como muleta (o que me parece ser o caso da Amy Winehouse, aparentemente uma pessoa muito insegura e que sofria uma pressão gigantesca da mídia, da indústria, dos fãs, e, porque não, de si mesma, para apresentar uma continuação a altura de seu trabalho anterior). Guardadas as devidas proporções, me parece que aconteceu o mesmo com o Michael Jackson, mas isso é assunto, ou não, para outro post. De qualquer forma, deixo como dica a leitura da autobiografia do Keith Richards (Vida, que já resenhei aqui no blog), esse sim, um exemplo perfeito de alguém que conseguiu se relacionar de uma forma adulta - ainda que com momentos muito difíceis - com as drogas. O livro, aliás, é um verdadeiro manual de sobrevivência do usuário (viciado, na real).
Abs.